terça-feira, 2 de junho de 2020

CRÔNICA: EU, TU, ELA

Eu, tu, ela

         Era a filha de André que ela concebia. Não podia ser diferente, pois sempre fora com o André. O pai que lhe tinha prevenido. André homem de muitas. Mas era dele que gostava e não gostava do pai. A mãe que cobriu tudo e depois convenceu o pai. O André casando toma jeito. Lucinha achou que tomava e se convenceu com a mãe.

         Quando viu estava nos braços do André. Que o André era muito homem e ela preferia assim. Sob a amendoeira na sombra da lua os dois. Mão do Andrezinho onde ela nem pensava que chegasse mão. Mas aí tinha o arrepio quente e a sensação de ofego e frio que era bom.

         Como o André era livre e ela deixava chegou ele lá sem esforço. Doeu, mas Lucinha acreditou que era assim mesmo, sabia disso porque tinha lido na revistinha suja como era da primeira vez e também tinha ouvido da Nádia que doía. Depois das outras vezes que fez com o André não doeu nada e foi até bom.

         Mas aí ela teve que contar pra mãe que já estava com um filho do André. Como o pai também precisava saber a mãe assumiu tudo. Antes do pai. Contar pro André. Com um filho mais um laço entre eles. Agora André para sempre. Quem acreditaria que o André só para ela?

         __Um filho teu André, em mim.

         O pai que a mãe submetia não disse que não. Ainda que ela lhe visse uma pontinha de desgosto por ter se perdido com o André. Mas se não com o André seria com outro que queria ser amada. Nenhuma filha é para o seu pai. Último argumento que ela ouviu. Mas a mãe resolveu tudo e nunca mais o pai falou.

         Casou com o André quando era fevereiro e moraram com a mãe do André até maio. Depois quando não aguentaram a velha possessa tiveram que mudar. Instalada pelo André na casa alugada da Rua São Bento. Felicidade não se compra mesmo não, ela soube. Vem como conquista por trabalho árduo. Mas e ela que era mãe inexperiente como fazer? O ofício de ser mãe viria com a prática, mas de ajuda ela precisava. Pés inchados de elefanta. A roupinha do André nenhuma limpa. Quando ele chega tem fome e precisa comer. E ela toda pesadona sem forças. A sogra que não venha. Aprendeu que não se cria cobra. E a mãe? A mãe não podia. Nunca o pai sozinho, o coração crescendo no peito.

         A roupa e a comidinha do André tinham urgência. Então Aninha. Veio Ana que era uma irmã amorosa. No oitavo mês ela nem se levantava mais. Mas retribuía Ana. Dinheirinho pra coisas simples.

         O filho que concebeu era uma filha. Gostou que fosse assim porque não sabia se seria uma boa mãe de um menino. Que os achava neutros e submissos às mães e ela ainda não sabia muito disso. Mas aprenderia primeiro com uma menina e estava tranquilizada com essa possibilidade lhe concedida.

         Sofreu muito no parto. E como não era uma dor feliz nem se podia nem pensar na bela graça da maternidade. Foi mesmo com surpresa que ela acordou e ouviu que precisava amamentar a filha. Só agora lembrava-se de que sua via crucis fora por ela. Comparou-a e era um pedaço do André. Haveria de ganhar alguma feição dela? Sempre crescem e um dia vão se parecendo com as mães.

         Mas as noites ficaram tão longas que ela descobriu que era o sono quem tornava breve as horas. A menina era uma louca com fome, mas não pegava direito no peito. E lá vinham berros, choro, berros. Mãos na cabeça que ela também enlouquecia. E o pior. Mais problemas – seios gretados, a dor a tinha condenado. Nenhum tempo para o André. Ainda bem Ana.

          Prometeram-lhe que tudo isto só nos primeiros meses. Depois a felicidade de ser mãe. Paciência era o fundamento daquele ato, mas ela não fora instruída para viver uma longa espera. Toda a sua vida até ali fora alcançada com as mãos sempre cheias. Agora vinha sua condição de mãe e se impunha como uma transmutação de sua pessoa naquilo que ela nunca guardara ou pressuporia existir.

         Foi nesse tempo que ela precisou muito de Ana. Sobretudo aprendeu não prescindir de Ana. A menina tomava-a toda e sem a irmã como o André? A roupa limpa do marido providenciada por Ana a comida dele vinha das mãos de Ana. E Lucinha pouco dispunha de si, toda para a menininha chorona.

         André viu isto e não a reteve. O trabalho de Ana era bom e a casa estava cuidada. Vestia roupa limpa e comia. Quando Ana aparecera? Era o sogro que a tinha? Descobrira que não a vira quase nunca quando frequentava a casa de Aprígio.

         E a mulher agora? Depois da menina emagrecera como se ser mãe para ela fosse o trabalho de carregar pedras. Como ele tinha deixado que as coisas ocorressem sem impor sua mão para mudar-lhes o curso não achou que Lúcia o chamasse, nem ele queria isso. A filha era o que ele previra. Era sua e seria amada. Mas não convinha a ele mais nada.

         Afinal André era um homem e como a mulher não podia ele precisou caçar. Em verdade, em verdade, nunca que ele renunciasse a este ofício. O casamento o fizera esparso e proibitivo, mas nunca de todo cessado. Cada mulher era um fogo que o queimava e o deixava vivo para viver outra vida. Não prometera que seria animal de circo, jurara apenas fidelidade.

         Em casa um sabiá nas laranjeiras. Era Ana. Mas era a filha de Aprígio e a irmã de Lúcia. Com esta ele não podia. A cunhada era uma irmã que viera para ele com o casamento contraído. Ana viera, Lúcia louca por permitir isto. Ele não um homem? Ana não uma mulher? E Lúcia depois que mãe? Noite sem sossego de inquietação voraz.

         Até no sonho Ana. Molhadinho, mas nunca satisfeito. Só quando ela. Cuida de sua vida André, tanta mulher você pode. Muita puta limpa. Tudo pra você. Ana interdita pela lei de Deus.



         Mas a diaba não é inocentinha. Põe vestidinho que mostra e clica as unhas nos dentes. Se resistir a isto é veadinho enrustido. Desfruta uma vez e tudo acaba com a volta da tranquilidade da alma. Mandar recado pra Berta. Venha buscar sua filha, com ela traio a outra, você pra mim escolheu Lucinha, não era ela a melhor. Casar primeiro a mais velha você quis, agora eu sou um homem infeliz, era Ana que eu amava.

         O problema é que isto ele não faria mesmo. Nem era uma solução possível. Pensaria em Ana e só comeria a comidinha de Ana. Sem ela mirradinho morreria de fome. Se André queria então queria mesmo. Quem pediu que ela viesse não ele. Agora que o haviam deixado cair em tentação dele seria o reino dos céus.

         __Lúcia?

         __ Veio nossa mãe e saiu com ela. Magrinha mamãe quer consultar se ela doente.

         E a criança dormindo. Não seria pra ele ter tanta sorte. Por que ele se nunca jogava dados? A virgem borrava esmalte nas unhas. Pezinho esquerdo de pintassilgo pousado no dedo. E o calor apavorava. André entrou para a cozinha. Tomou água, precisava de um banho. Do trabalho não tivesse vindo pra casa. A velha vem e leva a filha que lhe dera e deixa a outra que lhe negara. Agora acabado. Para sempre em chamas no fogo do inferno.

         Voltou à sala para terminar o que já havia começado. Ainda pensou que poderia resistir e sair, voltando a casa quando soubesse que Lúcia já no quarto. Mas não foi possível isto porque só acordou quando dentro de Ana. Virgem usada constatou.

         __E nem fui o primeiro?

         __Deveria ser você?

         __Pensei.

         __Sempre tem um primo que antes do cunhado.

         Vestiram-se para Lucinha chegar. Quando ela chegou André descobriu que se não fosse pela filha seria feliz só com Aninha.

         __Com anemia André.

        Era Lúcia. Ana inocentinha quando a recebeu

         Ainda esta. Ele pensou. Se fosse um câncer até mais feliz. Sopinha de feijão para criar cor no sangue. E Ana era quem a curava. Os dois bem sigilosos  e depois daquele dia muitas vezes. Às vezes até duas por dia. No trabalho ele tinha vontade, mas era com Ana que pensava que queria. Com a mulher fazia pouco. Tempo de meter como compromisso e tirar depois de verter. Anêmica contagiosa.

         Com Ana melhor. Aí é que era um porco. Só acabava depois do coração aos pulos. Assim é que era o amor.

         __Quantos anos você com o primo?

         __Pelo menos eu tinha quinze.

         __Foi consentido?

         __Eu quis sim André. Melhor com ele porque doeu.

         __Vem comigo Aninha?

         __Já estou com você meu bem.

         __Te ponho numa casa.

         __Lucinha... Papai.

         __Eu resolvo, vem?

         __Menor, dezessete anos.

         __Aprígio não é problema, tua mãe.

         __Gosta de Lúcia.

         __Gosta de mim também. Culpa dela que não falou de você.

         __Nem sei se quero. Tão bom como está André.

         __Um dia Lúcia descobre.

         __E não vai descobrir eu fugindo com o marido?

         __Vai, mas acabou tudo.

         A mãe só acreditou quando viu:

         __Logo a Aninha e você André? Lúcia morre e vocês.

         __Foi destino sogrinha. Eu amo agora.

         __Visita a menina. Não tem culpa e é sua filha.

         A menina nutrida, bom sangue de André. Lúcia também. Toda curada. Quantos meses depois? Nenhuma mágoa. Café com broa de milho:

         __Volta pra casa André eu te recebo, ela também.



          

 

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