segunda-feira, 22 de junho de 2020

CRÍTICA - TIROS EM COLUMBINE

Tiros em Columbine e a violência estrutural

         O filme de Michael Moore Tiros em Columbine, EUA, 2002, nos faz perguntas sobre os fundamentos da violência presente na sociedade norte-americana. O que é isto – a violência americana? Como nos tornamos um país tão violento? Como nos fizemos um povo que consome armas e munição? Por que há entre o americano branco típico de classe média uma atroz vontade de matar, de exterminar o outro, de impor-se de forma violenta? Por que o governo dos EUA leva a violência tão a sério que bombardeia outros países, declara guerra a tantos povos?

         Mas ainda que Michael Moore está consciente desse papel decepcionante de protagonista da difusão da violência que seu país tem desempenhado mundo a fora nos últimos tempos, e mostra-o explicitamente em seu filme. Mas a matéria principal de seu documentário é um voltar-se para a própria sociedade norte-americana e compreender como a violência que eles espalham pelo mundo viceja lá dentro.

         A violência cresce e avoluma-se dentro das casas, nos bairros, nas escolas, nas ruas, nas cidades, no cinema, na política interna, na política externa. A violência está nas mentes privadas, nos discursos públicos, na constituição, nas leis, na mídia e nas instituições civis do país. Do princípio ao fim do filme somos interrogados permanentemente – Por que a sociedade “americana” é violenta? A resposta não está dada no filme de Moore, o que ele concede ao expectador é a possibilidade de se colocar o problema e começar a pensar sobre ele.

         O fio condutor dessa longa reflexão de Michael Moore é o acontecimento de 20 de abril de 1999 quando dois jovens estudantes de uma escola pública do estado do Colorado dispararam armas automáticas contra jovens de sua idade e que frequentavam a mesma escola que eles, matando 11 adolescentes e 1 professor. A tragédia amplamente explorada pela imprensa americana e do mundo a fora gerou uma série de opiniões e polêmicas controversas, mas  pouquíssima ação do governo para evitar que novas tragédias como aquela ocorressem.

         Tomando esse fio condutor Michael Moore principia seu filme, problematizando o seguinte: Por que é tão fácil comprar uma arma nos EUA? Partindo desse primeiro problema apresentado a maneira de prólogo do filme, Moore vai mostrar que a compra e venda de armas de forma legal no seu país é algo banal e muito comum. Será isto que gera a violência no EUA?

         Sem responder de forma direta ao problema, Moore nos mostra os antecedentes que podem ter desencadeado a fúria de Columbine. Impressionante assistir a imagem dos dois jovens com armas automáticas nas mãos atirando contra outros jovens dentro da escola que os instruía. É neste momento que somos lançados a questão: mas e a democracia liberal? Os princípios e valores da sociedade do self made man? Como os EUA, país do triunfo dos princípios liberais mais caros: família, pátria e liberdade tornou-se um mundo onde a violência deliberada e gratuita do indivíduo contra seu semelhante?

         O filme de Moore aprofundará então nossa compreensão do mundo dos valores da democracia liberal norte-americana. Assim o diretor nos apresenta a política americana – indústria de armas patrocinando as eleições e os políticos, investindo nas escolas e universidades. Indústria de armas de destruição em massa como as maiores empregadoras e empreendedoras dos EUA. Recebendo incentivos fiscais do governo e garantindo leis e proteção especial para favorecer seus negócios.

         Somos ainda apresentados a uma historinha sobre a história americana. Violência contra os índios, extermínio dos índios, (medo dos índios). Violência contra os negros, política de extermínio dos negros (medo dos negros). Campanhas contra associação de trabalhadores, sindicatos, movimentos por direitos civis (medo do comunismo internacional). O diretor pergunta: alguém estaria lucrando com o medo das pessoas?

         Passa então a analisar a sociedade do medo. Há medo nas cidades, há medo nos subúrbios, há medo no campo. Os americanos são um povo amedrontado. São paranoicamente assustados. Eles têm medo do vizinho, do filho do vizinho, têm medo do negro que mora na sua rua, que atravessa a sua rua. Os americanos brancos têm medo dos latinos, de uma guerra biológica, de uma guerra suja, têm medo de uma invasão de abelhas assassinas africanas.

         Os americanos têm medo também de heavy metal, videogames japoneses, filmes franceses violentos. Os americanos brancos temem por suas famílias e compram armas para defender sua casa, sua propriedade, seus filhos, suas esposas.

         Quem assustou tanto os americanos brancos? A mídia conjectura o diretor. A guerra pela audiência na TV tem um papel importante na construção desta população branca amedrontada. O que a televisão mostra toda dia? Violência negra, violência latina. Perigo do terrorismo. Abelhas assassinas, assaltos à mão armada, policiais violentos glória institucional, guerras declaradas por seu presidente e seu congresso nacional. E o que o governo e as leis mandam fazer? Se armem cidadãos! Armem-se e protejam suas famílias e suas casas!


         Moore nos informa que talvez seja por isto que eles estão plantando o medo, eles poderão levar a população amedrontada a consumir mais armas, mais medicamentos, mais petróleo, mais plástico, mais carros, mais alimentos industrializados. É verdade que a sociedade americana é individualista e consumista. Mas isto não explica tudo, mas já explica alguma coisa. O individualismo, o competitivismo e o consumismo não geram os melhores frutos para todos.

         A sociedade americana prolifera os muitos excluídos e para evitar que eles se revoltem contra sua exclusão vende armas para a população branca em geral manter seu patrimônio e suas famílias protegidas quando a grande revolta começar. Ou mesmo para evitar que sua porta seja arrombada por um negro ou latino. A exclusão é disfarçada sobre o aspecto de uma falsa prosperidade para todos. Mas cresce o individualismo, cresce a competição a necessidade de consumir.

         O filme vai nos mostrar que quanto mais o capitalismo se fortalece mais a necessidade da violência estrutural aumenta na sociedade, pois para manter-se o capitalismo precisa gerar contradições externas e internas afim de convencer a população de que não existe melhor forma de sociedade e governo que não seja aquela coberta e assistida por preceitos da democracia liberal.

         Tiros em Columbine é o melhor filme de 2002 sem dúvida, um filme para assistir e depois pensar. O problema está dado, agora vamos à reflexão.



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