domingo, 30 de agosto de 2020

CRÔNICA - MEU MARIDO, MEU CARRASCO

 

Meu marido, meu carrasco



     Não tinha que ver, o André era um homem. A filha andara escolhendo bem. Muito casadinha por amor. Para quem este prêmio? Loteria Boa Sorte. Deus escolhe para algumas. Outras o diabo manda tormento. Lili de quina pra lua. Como o André nenhum outro. Levanta as mãos e diz que foi Deus. Para ele um filho. E dava uma filha por um filho. Muito justo o céu. Não perdia nada, antes ganhava com o casamento. Quando um pai com tanta ventura? Casar uma filha e não se sentir traído?

     __ Então a Lili?

     __ Felizinha.

     __ Louvo os pais que sabem criar um filho.

     __ Coisa santa é uma família em ordem.

     Agenor entrou na casa e ouviu a Maria. Maria era a mártir. Esperou na sala antes que a mulher o ouvisse entrar. Depois estaria perdido. Apertou o embrulho de pão nas mãos e tomando coragem seguiu pra cozinha.

     __ Então é você velho – Maria perguntou.

     __ Ainda o mesmo – Agenor falou.

     __ Pensei que nunca mais – Maria falou.

     __ Ó Mariinha, então como eu minha nêga?

     __ Você, Você, Você! Por que tudo só se trata de você?

     Agenor calou-se. Com a mulher naquele estado não era possível. Amanhã voltaria a paz. Sentou-se numa cadeira pra ouvir calado. Maria despejou:

     “Fiquei logo pra escrava. Vai casando besta! Vai criando filha! Se mata pra que filha coma enquanto tu um feixe de ossos! Depois está aí quanto ganha. Reumatismo, varizes e um velho escanchado. A bonitinha que goze lá seu maridinho, sua casinha e vidinha de felicidade no céu nupcial!”

     __ Ó Miriinha não tinha a menina direito de ser feliz?

     Maria calou-se e o olhou com olho tão mal que Agenor arrependeu-se de ter falado. A verdade é que ele sabia que Maria gostava da filha e gostava também do André. Mas como ela não gostava da própria vida repugnava-lhe saber que tinha quem fosse feliz nessa vida.

     __ O que você me diz meu filho?

     __ É a verdade o que eu lhe digo minha mãe.

     __ Mas a Lili que você escolheu André!

     __ Um raio caísse sobre mim, mãezinha.

     __ Como agora – a mãe perguntou.

     __ Estou perdido – André falou.

     __ Seu pai que vai saber.

     __ Fala com Seu Agenor – André disse.

     __ A filha dele de volta – a mãe perguntou.

     __ Vou morrer na cruz, minha mãe – André perguntou.

     O parecer do pai era um. Casamento não era como antes. Uma vez que não tem jeito era desfazer o nó. Mas tinha Agenor. André que falasse. Já tinha fodido à filha do homem. Agora queria sair de banda. Negócio de homem não era. Ele quando era o pai foi com o filho e deu as garantias. Agora que não tinha mais garantias e o casório já era e que o André abrira as bandas da filha do outro ele não se metia com a coisa. Saltasse fora, mas saltasse sem ele. Não resgatava ninguém. Recebia-o em casa porque filho não se larga de déu-em-déu, mas apalavrar desquite nunca que ele.

     __ Mas homem, não é teu filho – a mulher perguntou.

     __ Eu disse que não era – ele devolveu.

     __ Vai deixar um filho na cruz – a mulher perguntou.

     __ Há madeiros mais pesados – ele disse.

     __ Assim, não faz nada – a mulher quis saber.

     __ Faço. Fico esperando ele virar homem.

     Só a mãe por ele, desconhecia o pai. Mesmo pra que ter pai? Precisar dele e não receber nada era mesmo que não ter nenhum. Morria dessangrado e o velho nem uma palavra. Assim estava explicado porque sempre a mãe tinha maior privilégio para ele. De quem a culpa daquela vida em que caíra? Se ele tinha gostado da Lili e agora sabia que não gostava mais? Era culpa dele que o que tinha sido uma flor aberta e cheirosa e depois secou e caiu e morreu?


 

     __ Minha filha, você mente – falou Agenor.

     __ Mentiria se dissesse: “Sou feliz porque o André é o meu homem”.

     __ Você que escolheu ele Lili – disse Agenor.

     __ Burra, cega, meu pai – Lili disse.

     Então essa era a verdade. Maria bem sabia. O André como todo homem. Que tem isso? Agenor mesmo só prestara no começo. Depois foi sempre esse velho que ela arrasta condenada. O dia do juízo para ela não esperou. Lili que se aguente lá com o seu. Escolheu marido, disse que amava o homem e que era só com esse homem que escolhia que teria a felicidade. Agora embirra que não era bem o que pretendia. Que foi lesada. Que mulher não era lesada com o casamento? Veja ela, Agenor uma promessa e depois um velhote escangalhado.

     __ Minha mãe o que eu faço – perguntava Lili.

     __ Como eu – disse a mãe.

     __ É justiça isso?

     __ Não ensinei você a acreditar que ela existisse pra mulher.

     __ Outra vida minha mãe...

     __ Luxos que nem eu tive Lili.

     Pois o André um mistério. O genro de Deus e nunca que ele adivinhasse que a filha no inferno. Redimi-la porque casamento infeliz pior que enterrada viva.

     __ O que você me disse do André Lili – perguntou o pai.

     __ Tudo verdade – disse Lili.

     __...

     __ Até me bate.

     __ Filha minha nunca que apanhe de homem.

     __ Aqui meu pai, lanho no meu corpo.

     __ Ensino pra aquele filho da puta...

     __ Só você por mim meu pai.

     __ Me acabo com ele.

     Depois que viessem dizer que mãe queria filho pra si. Queria nada. Mãe quem sabia melhor que filho. Bem que ela viu. Lili prestava pra nada. Onde mulher sem combinação? Criada aí sem freios. Liberdade de mais e a mãe preocupada em se pintar, se vestir e se mostrar. O corno do Agenor bem ceguinho. A filha cuspida e escarrada a mãe. Nunca que seu filho ficasse um Agenor daqueles. Andrezinho dela, nutrido do seu leite e ela que o abandonava? Nunca e nunca que fosse madrasta.

     __ Lili quem mente meu pai.

     __ Um filho meu.

     __ Ela quem diz: “Se não fosse eu ainda virgem meu sogro.” – Muito que mente meu pai.

     __ Frouxo... chibungo.

     __ No primeiro dia queria que eu metesse atrás e Deus que fechasse os olhos.

     Lili faz marca no seio diz que foi o André. “Me bateu, me lanhou. Incapaz com uma mulher.” O André muito tarde com o Pedro – “que raio de amizade é essa que não deixa?” No bilhar do Zeferino nem meia hora – “Com Pedro aposto, ah! com o João! Dá lá o cu pra ele!” O dinheiro com a Lili. Até pro cigarro – “Lili meu cigarro acabou.” Que pedisse pros putos lá do Zeferino, dela se lembrava? Exausto, sonolento, André sentava na cozinha:

     __ Minha janta Lili.

     __ Já jantei, pensei que comia o João, o Pedrinho.

     __ Você é má ó Lili.

     Lili que virou santa? O André um carrasco. A velha mãe dele que amimou demais. Se batesse de novo na Lili ensinava-lhe.

     __ Você me diga tudo Lili.

     __ Sou tão infeliz meu pai, nunca pensei que o André.

     __ Te iludiu minha filha.

     __ Um bruto, só pela lei de Deus é que não estouro tudo.

     __ Minha filhinha, Deus reconhece.


 

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