quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

CONTO - UM PARRICÍDIO



Um parricídio 

       
         Francisco, bêbado outra vez. Chega em casa, martiriza a mulher. Bebe todos os dias senão como aguentar tudo? Vai bebendo o que encontra no caminho de casa. Dois tragos depois está completamente bêbado, mas nem assim pára de beber e quando chega na frente da casa já bebeu quase uma garrafa.
         Entra em casa batendo a porta, Mariana estremece esposa e mártir, o filho é o André, não aguenta o pai, ficar em casa ele não pode. Vai para o monturo, entra no mato, de lá escuta Francisco, aos gritos de sua cadela e sua puta. Como pode ela aguentar isso? Um dia ele.
         Mariana não discute, serve a janta, Francisco nem come, comida de porco essa, joga a comida no terreiro com prato e tudo. Mariana só chora. Meia hora depois Francisco afirma. Querem matá-lo de fome, Mariana só faz janta pro cachorro do filho dela. E o cachorro cadê? Ele o dono da casa e não come e o outro vive de rei. Mariana serve-o outra vez. Mais arroz, mais feijão e mais torresmo. Dessa vez Francisco come. Joga o prato nos pés da mulher.
         __Pra tu lamber puta mundana.
         Depois de jantar Francisco dorme. Tranquila a casa. André volta do mato. Entra pela sala. A mãe no quintal.
         __ Por que você deixa mãe?
         __ É o teu pai.
         __ É um bêbado, é um porco.
         __ Teu pai.
         __ Um dia eu.
         __ Não, que eu não quero.
         __ ...
         __ Deixa que eu meu filho.
         __ Você até parece que gosta.
         __ É teu pai meu filho, é meu marido.
         André entra no quarto. Toda a noite acordado ouvindo o porco preso no sono alcóolico. Podia afogar-se no próprio vômito. Perder os sentidos no sono e morrer. Podia até ser abalroado por caminhão na estrada. A vida bem melhor assim.
         No outro dia Francisco nem se lembra de nada. O André é o seu filho, mas ele que é o pai é odiado pelo André. A mulher insinua que ele fez escândalo. Escândalo nenhum, ela inventa. Quer que ele do trabalho pra casa. Parou pra tomar um trago no Cristóvão. Bebeu porque também sem a cachaça. Mariana se entrega. Não insiste nada. André não pode acreditar na amnésia alcóolica do pai. Fingindo esse porco. Um dia eu.
         Durante todo o dia a casa em paz. Sem beber Francisco é bom. Bom mesmo para os de fora. Dar cacho de banana, cestos de laranja, fatias de abacaxi. Ovos mesmos não chegam. Mariana não se opõe, chega a gozar certa paz. André que espuma de raiva. É um porco. Cospe no chão.


         Outra noite no quarto André ouviu. Era o amor entre o pai e a mãe. Então ela quem permite. Como ainda permite depois de tudo? Ainda nessa casa por causa dela. Mas um dia ele. Tinha como sumir no mundo. Poderia não poderia? Ela que se submetesse ao porco ele não. E André espumava mais de raiva. O resto da noite não dormiu, impossível dormir depois daquilo.
         Quis beber, e um dia no Cristóvão bebeu meia garrafa inteira. Foi o que bastou. A mãe o viu na estrada. Não era o pai era o filho. Esperou-o no terreiro da casa.
         __ Meu filho por que você fez isso?
         __ Não é da sua conta, eu quis eu bebi.
         __ Você como seu pai André.
         __ Não é o meu pai, o filho segue o seu.
         __ Não acreditava que você pudesse.
         __ Agora acredite velha.
         __ E nem me respeita meu filho.
         __ Você merece?
         __ Sua mãe afinal.
         __ Lembrou disso hoje?
         Mariana agora mãe e mártir. O André bebia. Falar ao Cristóvão para não vender cachaça ao André. Já chegava Francisco. Como poder com aquilo? O André depois dormiu. Quando acordou era de tarde e o sol já tinha se posto. Mesma amnésia alcóolica do pai. A cabeça pesava no corpo. Voltou a dormir para esquecer a dor.
         De noite foi a vez de Francisco e Mariana chorou de desgosto. A vida um inferno. Francisco repetiu a cena contínua. Mariana tinha feito cozido. Comida pra cachorro informou-lhe Francisco. A panela ele jogou no meio do terreiro. A mulher fizesse janta pra ele. Mariana chorou e foi por a comida no fogo. Quando ficou pronta Francisco comeu, mas dessa vez ele não dormiu.
         Como Francisco não dormiu e nem se acalmou depois de comer André acordou lá no quarto. Ouviu em silêncio o alarido do pai. Fechou os olhos, mas não tapou os ouvidos e continuou ouvindo o porco. Impossível agora sair pra fora da casa.
         __ Onde o cachorro do teu filho Mariana?
         __ Francisco, já bem tarde da noite.
         __ Não vou dormir, hoje vou comer teu rabo.
         Lá dentro do quarto André levantou da cama, ficou de pé no meio do escuro olhando dentro da treva. Sem se decidir a nada afastou a cortina que tapava a entrada da porta e caminhou pelo corredor da casa até a cozinha. Francisco estava de costas sentado no batente da porta do quintal. Marina estava de cócoras ao pé do marido, não viu quando o filho chegou. Então era isso, André empunhou o facão e golpeou Francisco uma vez e outra vez. E o sangue do pai escorreu quente e inútil pelo chão da cozinha, André golpeou-o terceira vez e terminou de matá-lo.
         __ Mas era seu pai meu filho.
         __ Não podia não terminar com isso minha mãe.
         __ Agora que você matou ele.
         __ Matei porque eu sabia que um dia.
         Mariana pôs-se de pé no meio da cozinha, olhou para o céu através da porta aberta, era madrugada e o vento soprava levando a lua e as estrelas. Ouviu o primeiro galo cantar. Precisavam dormir agora. Então decidiu:
         __ Me ajude a levar seu pai pro poço André.




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