domingo, 17 de maio de 2020

CRÔNICA - O BANHO DA SEREIA


O banho da sereia


         __ Vamos esperar né?

         __ Quem João?

         __ Então André também.

         __ Hoje todo mundo soube.

         __ Nosso segredo Carlinhos.

         __ Sem segredos entre nós, no quintal vai todo mundo.

         __ De quem o quintal?

         __ De você João.

         __ Meu mesmo, não é André?

         __ Muito seu João, foi Carlinhos quem chamou.

         __ Então Lígia?

         __ Fale baixo, paredes meias.

         __ Nosso segredo Daniel.

         __ Agora não mais segredo.

         __ Entre nós fica.

         __ Ninguém mais precisa.

         __ Como você soube João?

         __ Saí pra urinar e vi. Nuinha porque eu vi tudo.

         __ Viu de frente João?

         __ Vi todinha cara, que me abaixei na cerca pra ver e vi.

         __ Ai que me tremo todo só de pensar João.

         __ Será Lígia?

         __ Se era Daniel! Eu vi que era. Fiquei olhando e vi que era.

         __ Já tô durinho olha.

         __ Sai pra lá tarado, guarda essa coisa.

         __ Não pra você André, pra Liginha fica assim.

         __...

         Carlos olha pra fora, olho vesgo de tensão contida. O vento cresce nas folhas das bananeiras. Quem é que se esconde dentro da noite? Mesmo sabendo que é triste não pode renunciar ao pouco de amor que cabe aos meninos. E João? João é forte e escuro e manda nos meninos todos. Como não estar com João? O quintal dele e ele quem descobre as coisas. Carlos ouviu o que acontecia. Era o rádio ligado. Última música antes da Voz do Brasil. Quem perder fica parado. Irmão de João. Ele quem ensina? Não muito, João pervertido é que vai aprendendo com o que ver. Sabe olhar e entende com os olhos. Ouve sem atenção, fingido, mas logo põe em prática e descobre. Foi assim que se revelou-se o prazer. Lavava-se com sabonete. Primeiro ardeu depois ele sentiu muitas patinhas de formiga caminhando frias. Repetiu o processo nos outros banhos até que houve um estouro e as pedras rolaram e entre as pedras o líquido quente e untuoso. Era o limite. Quem sabia mais do que ele? Nem Daniel não sabia muito mais que isto – que existia uma forma de prazer que punha em risco as mãos, para sempre peludas. Mãos de bicho com as palmas viradas pra cima. Carlos esticou-se e André salivava. Pronto, agora teria náuseas. Precisava cuspir, mas tinha que guardar toda saliva necessária. Quanto tempo ainda? Era o irmão de João no banho? Por que não acabava logo? Servia no tiro de guerra e tinha uma farda militar. André também era soldado. Não era? Cuspiu. Se bebesse água ficaria com a boca muito líquida e obteria pouco efeito. E as revistinhas sujas que ele guardava embaixo da pedra. Nunca que chova. Com as mãos livres ele modelava o amor e viveria sôfrego e ilimitado porque era contínuo e conhecia essa arte limpa e silenciosa dos meninos. Aprendera uma vez e nunca mais esquecera o que tinha de branco e quente nessa parca solitude. Ele estava quente por dentro e as pontas dos dedos ardiam frias. Caminhou para fora, mas não era assim que se poria calmo, pois que agora a ânsia vicejava e crescia enorme e espessa no seu sangue. Já tinha começado? João voltou do quintal. Ainda nenhuma flor. Daniel muito impuro. João todo confiava nele. Daniel trouxe a ideia, foi só pensar um pouco e desenvolver. Quando insistiu descobriu como era que se fazia e depois continuou fazendo, mas não foi muito como uma revelação, apareceu como que de repente se aprende ou se descobre. Tudo era igual e se aprendia quando olhava-se pelo caminho. Daniel olhou para as pernas. Marcas de furúnculos ardidos na pele. Espremia todos até sair o sangue pisado. E a dor era contínua e feliz. O pus. O pus amarelado e odoroso que ele retinha nos dedos surpreendido. E a mãe que o fizera tomar benzetacil para não supurar mais? Cravou as unhas na coxa, por baixo, onde era mais sensível para sentir alguma coisa muito contínua. Mesmo o cheiro das axilas sujas não era tão preciso assim. Quando aquilo tinha começado? Eles não tinham certeza definitiva. Um dia eram meninos brincando na rua, pulando nas árvores e jogando pedras às mangas e aos cães e noutro dia viram e descobriram que nenhuma manga era tão doce e que os cães ficavam juntos por um propósito simples e revelador. Pensaram sem se dizer, contudo que poderiam ficar como cães, muito juntos e esperar que fosse a vez de cada um. As páginas do livro de ciências lidas com voracidade e inquietação. Primeiros repiques de educação sexual. A palavra buscada no dicionário. Mas ali sem nenhum mistério. O dicionário, essa força que traga as palavras para baixo. A linguagem que eles tinham ouvido era a mais imprecisa e reveladora. Todo mundo ensina e todo mundo aprende. Pensaram em silêncio, mas queriam falar para distair-se e esperar com o coração aos pulos.



         O alívio foi quando o irmão de João tinha acabado o banho e não pôde ficar em casa porque tinha sua mulherzinha para encoxar. Pensaram assim todos juntos, mas foi Carlos quem decidiu que era isto mesmo. João foi e voltou porque não era tarde ainda. Tinham essa sorte.

         __ Ainda podemos?

         __ Tivemos sorte não foi?

         __ Ela vai agora.

         __ E nós?

         __ Nós vamos antes André.

         __ Quietinhos para não.

         __ Onde ficamos João?

         __ Deitados na terra, atrás da cerca de varas.

         __ Vestidos?

         __ Sem camisa nos perdemos no escuro.

         __ Você esperto Carlinhos.

         __ Pedra parada no chão.

         __...

         Era ela. Longa toalha cobrindo-a. E agora será que eu poderei? Carlos pensou e sentiu os grãos de areia penetrando na sua pele. Eis que ela abre a bica. Com a pontinha da mão para saber da água. Tontinha nem sabe que eles ali. Nem sabe que ele Daniel pode ferir a mão na farpa da cerca e gozar ainda mais este prazer. Ela a sirena ingênua, na beira do mar descuidada. Não nunca que esqueça dela. Nuinha nos seus olhos. Trigueira e fresca. Ele aquela água transparente e fria. João com o coração revoltado. Por que não aquela água, uma gotinha, mesmo que num mar imenso e sem distinção. Escorreria pelos cabelos, pela boca – e se fosse engolido por tu? – se me fizesses tua saliva espessa e branca? Melhor escorrer pelo teu corpo e passar nos montes dos teus seios e demorar oscilante no bico dos teus seios e cair numa onda de cascatas sobre teu umbigo e desce até tua bucetinha limpa e resistir em cair para teus pés, mas já sem forças cair pelas tuas coxas, joelhos e me aninhar-se entre os dedos dos teus pés e olhar para cima querendo ser nova água para realizar o mesmo caminho pela extensa fugacidade do teu banho.

         Quando acabou ela ainda não se vestiu porque eles tinham pensado que havia acabado, mas ela tinha começado outra coisa que exigia um movimento com as mãos. Então eles pensaram que iriam explodir por dentro e uma sensação vasta e constante os assumiu e se fez voraz dentro deles. O coração tremia e a terra era um leito sob a sombra na hora mais quente do dia. Foi então que Carlos estremeceu e compreendeu que tinha se urinado sem tocar-se. E João pensou que se pudesse conter-se obteria melhor resultado sozinho. Abriu as pernas e esfregou os pés força e tremor na areia. André encostou a face no chão e sentiu o ar da terra invadir-lhe, respirou mais forte para absorver toda a amplitude resfolegante do cheiro da terra e das raízes e vermes que crescem dentro das cavidades do barro. Perto era Daniel convulso. Olharam tranquilizados, tinha as mãos presas e sorria feliz para o céu onde luziam estrelas. Mas ela tinha terminado o que havia feito com movimentos de lavandisca e o banho acabara fresco e feliz. Envolveu-se com a toalha e eles tinham o coração encadeado em muitas correntes galvanizadas. E a terra era um corpo imenso onde afundavam os dedos e a carne ardia e tremia. Mas em cima havia o céu escuro e limpo, e entre eles a noite e o calor voraz. Tinham as mãos. Logo seriam animais peludos e felizes. Quando lhes ocorressem tudo o que havia acontecido ali poderiam repetir ou fazer silêncio para guardar o mistério sem tocar nele nem mesmo com o pensamento.



        

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