A volta da esposa pródiga
José o marido dos sonhos. Não há quem não acredite nisto no Limoeiro. Marido que não joga e nenhum traguinho no bar do Silvino? Nem pedido da lâmpada maravilhosa. Todo dinheirinho do mês nas mãos de Selminha. Ela que descubra o que fazer com a grana. Ele que tinha prazer em ganhar não tinha o mesmo pra gastar. Mas a mulher que era uma dádiva mantinha a ordem das coisas.
E quando precisa dos cigarros José? Nas mãos dela, da Selminha sem problemas. Era pedir e ela largava os cobres pro cigarro. Não tinha que implorar, a mulher mesmo sabia quando ele precisava, nem pedia, encontrava compradinhos no bolso do colete. Não fosse ela que salvação teria o José?
Fora moço de ir pra sambas. Tirara muitas noites no pagode. Mas naquele tempo quando era possível não tinha mais que estar feliz com os amigos. E tinha amigos. Tinha o André que ainda era. Depois uns se acabaram, mas ficaram outros e dos que ficaram o melhor era o André. Mais antigo e mais fiel este.
Naturalmente abandonara tudo quando veio a Selminha. Fora uma coisa que ele se atribuíra como dogma. Casando só se aceitaria como marido completo. Pensou que seria assim e depois que pensou concordou consigo mesmo e não se abalou quando de repente escolheu a Selminha e esqueceu a puta – Antonieta, Antonieta. Mas tu não eras pra casamento. Era pra tirar da vida.
Nem pensou mais nela depois que seus olhos não esqueceram a tristeza de Selminha.
Quando foi que viu esta? Não viu. Foi visto e depois foi que viu. Era na casa dela mesmo. Que também era a casa do Honório. Velho Honório que matou uma santa e casou com uma cascavel. E a cascavel mordia e apertava. Mordia o Honório e sufocava a Selminha. A menina era magrinha de dar pena. Trabalha na cozinha da madrinha. A madrinha era a cascavel. Pele e osso. Mas o José viu que dentro dos olhos havia luz e quis ser iluminado por ela.
Sofridinha a menina pedia auxílio. Não pedia com a voz, pedia com os olhos, com a magreza, com o ser corridinho. O Honório, olho vazado pela cascavel nada não via. Mas quem via comentava.
__Vão matar a pobrinha.
__Morre tísica, a mãe morreu disso.
__Lava e passa, limpa e cozinha.
__ Para quem?
__Para o pai é que não, esse não ver que a mulher o traz coroado.
__Para o filho da cuja, Albertinho, sujeitinho.
__Pra jararaca passar bem.
__E a pobrinha que definha.
__Precisa que a salvem do purgatório.
Veio o José, anjo do paraíso, sete asas e boca de fogo. Salvou-a. a madrinha quis resistir. Não merecia a sua filha. Consultado o Honório. Só se a madrinha dela deixar. Largava o pagode, largava o samba, tomava jeito. Já pensara nisto. Albertinho pode ajudar. Desconfiou do Albertinho logo. Com a irmã dele José não casava? Albertinho desfrutava-a. O covarde. Tirar Selminha de casa sem que o Honório? Salvá-la da cascavel e do bode. Mas, antes que tudo isso veio o Honório doente.
__Eu morro, mas você salva minha filha José.
__...
__Fígado poroso, eu me acabo logo.
Antes do Honório acabar ele teve a Selminha. Pois pronto, agora maridinho com a mulherzinha feliz.
Vieram os pequenos. O mais velho era ele. O mais novo não era muito. O do meio parecia. A felicidade achada no antigo compadre do pai. E o pai que não esperara para vê-lo completo? E a mãe que ele só conhecera até doze anos? Seriam felizes com a Selminha.
Foi só quando começaram a dizer que ele ficou mais atento. Então falavam sobre ele? Quem acreditaria? Era o que falavam, mas do que falavam não se podia crer. Primeiro ele supôs inveja. Era um banco, trabalhavam com isto. Não creu que seus amigos, seus colegas.
Depois veio o André e disse:
__José abre o olho.
__Não estão fechados, você vê.
__Digo isso porque há tanto tempo que somos.
__Por isso mesmo não pense que eu sou cego.
__Posso ser sincero por tudo que somos?
__Não exijo mais.
__É a tua mulher
__Você suspeita?
__Não é suspeita José. É que eu vi.
__Viu como? Você seguindo?
__Não isso. No mercado. Tomo café na Geralda.
__Ainda a Geralda?
__Tua mulher com o mulato da carne de bode.
__Selminha cozinha.
__No barraco do mulato?
__Você seguiu?
__A Geralda quem disse.
__A Geralda sabe?
__Que Selminha sua mulher não sabe. Que Selminha se abriga no crioulo sabe.
__Eu não.
__José, nunca precisei mentir pra você.
__Mas é Selminha, André.
__Olha o menino mais novo.
__Que é que tem?
__Não é preto?
__Honório, pai dela.
__Pois vá pra casa. Almoce lá.
__...
__Não avise nada.
Escolheu como o André queria. No outro dia foi pra casa na hora do almoço. Então o real daquilo. A vizinha com as crianças. O mais velho até vinha tendo ataques. A vizinha quem cuidava. Pobrezinhos sem mãe. A mãe que eles tinham era Selminha. Bebia com o mulato no mercado. Deixava os filhos com fome. A vizinha quem tratava. Não morreriam de fome. Não falava pro José. Mas confirmara pro amigo. Era Selminha uma bêbada, uma estragada. Primeiro foi com quem aprecia na porta. O moleque de cabelo duro tinha preferência. Se esbaldava o traquina. Contava pros meninos da rua. Ela soube. Não disse nada. O José que visse e decidisse. Mas as crianças não eram culpadas.
E Selminha cresceu no ofício. O mulato era coisa fixa. Guisava bode pra ele na cozinha do José. Bebiam cerveja. Na frente das crianças a vizinha não quis. Guardou os coitadinhos. Quando José vinha o mulato não mais. Selminha dormia toda a tarde e recebia o marido. As crianças eram uns anjinhos. Que deus gradasse eles daquela mãe desumana. A vizinha foi quem procurou o André:
__Não conto doutor, ela descarada, pode me agredir.
__Ele que pegue ela então.
__Não vai, o mulato sai antes.
__Você confirma o fato?
__Ora se... doutor. Passa lá de manhã. Eu com os anjinhos ela com o pai-de-chiqueiro.
Agora que o José sabe, ela quem cuida dos pobrezinhos sem mãe. Quando José veio onde Selminha? Nenhuma sombra dela. Deixou os meninos e um recado na vizinha. “Não volto Zezito, peguei minha parte, a outra pro teus filhos”.
__Com quem?
__Com o crioulão.
__Da carne de bode?
__Esse, o Jeremias.
__E eu com esses filhos vizinha.
__Por isso não. Descansadinho, eu olho por eles.
__Te pago e Deus o dobro.
__Amém, seu José.
A casa um deserto infeliz. Onde o virado, o tutu? Onde Selminha? Ele o marido cruel que a levara pra vida. Tantos ciúmes. Sem isso agora feliz com a sua mulherzinha. Mas como ela feliz com ele, perseguida?
Sem sono José não dormia. Sem fome José não comia. Sem alegria José não via os filhos. Quanto tempo tudo isto? Há muitos meses que ela fora. O trabalho era uma pedra que ele carregava nas costas. Mas tinha os filhos que ainda comiam. Ele então suportava.
A felicidade tivera. Como a deixara escorrer? Essa era uma sombra que ele queria entender. A cama um leito de espinhos. A comida rangia de vidro moído. O dia era muitos dias sem forma.
__Arranja outra, José.
__Aquela, insubstituível André.
__Você que pensa. Não te traiu?
__Nem penso nisso quando penso nela.
__Você mete o chifre de molho?
__Não se meta André.
__...
__Se Deus fosse bom Selminha de volta.
Como Deus era bom fez a luz. Selminha era a luz. Quando José na frente da casa a vizinha disse:
__Está aí dentro. Chegou feito doida. Pegou os meninos, aí está trancada.
José precipitou-se para a porta. A chave era a mesma, mas não abria logo nada. Era José trêmulo. Acabou de entrar quando o mais velho abriu-lhe a porta.
__Mãe voltou pai.
José encontrou-a no quarto. Banhada e vestida.
__Tinha comprado pra quando você voltasse Neném.
__Me perdoa Zezito, você que eu quero. Precisei comer couro de bode pra descobrir isto.
__Te esperei e saio com o prêmio.
Chamou o médico, que a curou. Comprou bife sangrento que a alimentou. Ela outra vez dona de sua casa. Os meninos cuidados.
Ainda falavam e ele sabia. Ela com a mesma vida. Com José e com quem escolhia. Mas ninguém com isso. A vida dele, a vida dela. Cada um com a sua. Deus que julgasse.
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