Homem feito
ELA
PENSOU QUE ELE a estreitava nos braços enquanto ela inclinava-se para perto
dele e as bocas se encontravam no caminho para o primeiro beijo de mil outros
que viriam depois e longas carícias de muitos dedos e ardentes línguas de fogo
que os queimariam por dentro calcinando-os com todo o amor com o qual podiam
amar-se, por que afinal estavam apenas no princípio de tudo.
Ele
olhou-a sem compreender o fogo que a transia por dentro, sem se dar pelas
chispas que fulguravam nas órbitas dela e apenas conjeturou que ela, mulher,
chorava. Ele era como quem pensava que as mulheres sempre estão à beira de um
vale de lágrimas. Não se ocuparia muito com isso e tinha certeza de que logo
ela voltaria estar com ele. Limitou-se a apertar as mãos dela e para
mostrar-lhe maior acolhimento diante do sofrimento dela ele cingiu-lhe a
cintura com o braço esquerdo.
Ela
não achou nada conveniente à atitude dele, mas assim mesmo fingiu que estava
tudo bem e de tanto fingir acabou convencida de que se não estava mesmo bem,
era preciso não requisitar tanto dele, um menino que um dia seria um homem. E
assim continuaram em paz, ocupando seus devidos lugares no banco da pracinha ao
entardecer.
Era
o namoro. Ele era o menino e ela era a mulher. Quando os dois tinham começado
aquela aventura de amar? Ela não sabia explicar como foi que chegaram até ali,
mas conhecia a circunstância do começo de tudo. Como ele era um dos garotos que
ela achava mais bonito da escola, e depois como os dois se encontraram lendo o
mesmo livro de poesia da biblioteca da escola e finalmente o dia em que eles
retiveram as mãos entrelaçadas por algum tempo e finalmente souberam que era
alguma forma de amar.
Com o
amor vieram também as outras atribulações: estar sempre juntos em toda parte
onde estivessem os dois, a conivência que os constrangia a buscar no olhar do
outro uma constante aquiescência, ser bobinho nas ocasiões próprias, e
evidentemente o ciúme. Ela queria bailar sobre tudo isto, principalmente porque
não era romântica e nem se preocupava com excessos de amor. Mas onde encontrar
forças que a pudesse conjurar contra todos esses estatutos do amor? Ele
compreenderia que sua namorada fizesse tantas concessões antirromânticas?
Ela
descansou as mãos sobre o colo e seus dedos inquietos começaram a brincar com a
barra do vestido. Mas, impaciente ela tomou-lhe uma das mãos e contou
pausadamente para não errar na conta, cinco dedos naquela mão. Na outra também
deve haver cinco dedos supõe-se. Voltou a contar cada dedo das mãos dele,
demorando-se para certificar-se corretamente da fabulosa soma.
Eram
longos os dedos dele. Era branca e molhada a palma da mão dele, mas então quis
saber tudo sobre a mão. Cheiro, gosto e toda a extensão dela. Virou-a para cima
e a olhou através da luz do sol. Era uma grossa mão de garoto preto, escura,
que continuava no antebraço, no braço, e finalmente era todo o corpo dele. Longos
dedos nodosos, veias salientes que faziam a vida circular. Cobriu-a com a sua
mão que era branca e como ela sabia cheirava a detergente.
Ele
apertou-a no lado e ela sentiu sua força masculina revigorar-se num instante
para arrebatá-la, dispôs-se a deixar-se ir sem resistência, o corpo dela
enlanguesceu e ela curvou-se para o lado permitindo-o avançar. Os cabelos dela
eram longos e o vento que passava agora entrava neles como nas folhas das
árvores.
Ele
enovelou dois dedos nas mexas que caiam ao longo das espáduas dela. Seus dedos
eram longos e suas mãos podiam colher todos os fios.
Ele
aventurou-se naquele espesso horizonte. Era uma descoberta que tinha feito.
Quando é que tinha chegado até ali ele não sabia explicar, mas podia concluir
que tinha sido desde o começo. Ela era a garota que ele olhava e como um dia os
dois haviam se encontrado depois do futebol, grande foi a sua surpresa quando
ela devolveu-lhe a bola. Então uma vez seus dedos percorreram toda a extensão
dos longuíssimos cabelos dela e ele sentiu prazer com isto.
Mas
agora havia um impasse entre eles. Ela retinha a mão dele entre as suas e ele
enovelara todos os dedos da outra mão nos cabelos dela. Impasse que ele esperou
que fosse desfeito por ela que logo largaria sua mão e então livre, ele poderia
trazê-la para mais perto dele.
Numa
tarde onde um menino ama uma menina podem até mesmo os passarinhos cantarem
escondidos na folhagem. Foi o que pensou, mas não pensou com tanta pretensão.
Era um garoto e gostava de uma garota. Mas ele também pensava naquele momento
que adoraria voltar para casa, por um calção, pegar seus tênis, ir para o
futebol com os outros.
Ela
poderia ir com ele. Sentaria na arquibancada da quadra enquanto ele marcaria
alguns gois para ela. Sendo possível seria muito bom que isso acontecesse de
verdade. Então ele tentou forçar sua mão para retirá-la da dela, mas não quis
insistir nisso, pois teve a impressão que ela quis mantê-lo preso.
Era
bom estar com ele e ela gostava que os dois ficassem juntos em algum lugar onde
pudessem ser exclusivos para si mesmos. Nessa tarde quando ela chegou a casa
dele achou que o encontraria vestido para o futebol, mas o encontrou livre,
logo concluiu que poderiam caminhar juntos, sentar lado a lado na pracinha e
ver o que aconteceria depois. Eram coisas tão pequenas, mas eram muito legais
de fazer e ela gostava muito desses pequenos gestos dele.
Foi
então que ela largou-lhe a mão, virou-se para ele e enlaçou-lhe o pescoço com
seus braços, ele inclinou a cabeça para ela, ia beijá-la, mas resistiu a tempo.
Não pode beijar logo sua garota, pois viu que ela ria fácil para ele, e era o
riso da menina que ela gostava e ele achou-a linda demais. Os dois tinham
começado o amor na escola e agora o traziam para o meio da rua. Ele sorriu para
ela e os dois compreenderam que eram cúmplices de algum mistério que pairava
sobre aquele final de tarde em Joaseiro.
Dentro
dela o sangue corria com força, assim de frente para o menino que ela gostava
era muito bom. E o rosto dele todo iluminado pelo sorriso que ele derramava e
os olhos que olhavam através dela e os pontos das espinhas irrompendo
espaçadamente na face negra, ela também possuía espinhas que pontilhavam sua
pele branca, mas nele ela gostava, no rosto dela já não estava disposta assim.
Sorriu-lhe
acolhedora, ele retribuiu-lhe o sorriso, decidiu que beijaria longamente tão
grossos lábios, que teria grande prazer em ser marcada pelos alvíssimos dentes
dele, que ficaria sem sentidos quando ele a apertasse com força nos braços.
Ela
tinha certeza que ficaria louca, louquinha como uma menina má enquanto o amor
deles crescesse como uma flor dentro de cada um. Sabia que o garoto que ela
escolhera gostar fora uma sorte, de tantos meninos tinha conseguido exatamente
aquele que ela achava mais bonito era sem dúvida muito sortuda.
Inclinou-se
para ele e o viu retesar o corpo, inclinou-se mais e ele a amparou com as duas
mãos. Tinha forças para segurá-la, trouxe-a para perto dele, sentiu então o
calor do seu corpo, era a menina que ele gostava, beijou-a. Então sentiu-lhe a
língua na boca, ela era doce. Ela também o procurou no beijo, encontrou-o
primeiro nos beiços vastos, depois na saliva quente e finalmente na sua língua
longa e invasiva. Consumiram-se. Era homem feito ele sentiu. Ele era homem
feito ela soube disto entre os dedos.
Insistiram.
Não havia mundo, não havia lugar público. Sumiram-se as vozes da rua, o sol
parou, o vento suspendeu suas asas, voavam na velocidade de cavalo louco.
Quando
acabaram ela aquietou-se sobre seu peito. Ele voltou aos seus cabelos com
longuíssimos dedos. O vento passava varrendo as folhas do chão e levando os
últimos indícios da tarde.
Carlos Souza
Carlos Souza
Um comentário:
excelente
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