A pedra da sodomia
A
promiscuidade masculina é coisa ora consentida, ora combatida pela sociedade. Fala-se
que o casamento é para toda a vida, mas ao mesmo tempo já li muita coisa que
afirma peremptoriamente que o animal humano não é como os seus primos gorilas, monogâmico
e propenso a manter relações de acasalamento com uma só fêmea durante toda a
vida. Acresce a isto uma coisa bem óbvia, seres humanos masculinos nem sempre
escolhem suas parceiras e nunca conheci um homem que acasalasse com sua fêmea.
Como
disse, a promiscuidade masculina foi coisa muito consentida outrora e as esposas
coitadas davam graças a Deus que havia as putas das “casas de tolerância” para
seus maridos as deixarem em paz. A igreja que no nosso tempo tanto condena o
pulo do marido fora do tálamo nupcial, também foi muito conivente num passado
muito próximo com as escapadas do esposo do leito da sua escolhida.
Em verdade
parece que essa ideia de fidelidade masculina como atributo essencial para a
manutenção de um casamento de características burguesas ocidentais remonta
inexplicavelmente a revolução de 1968 ou parece-me que aos casamentos padrões
das telenovelas que há cinquenta anos os brasileiros assistem na televisão. Sei
lá. Penso que há muito retardamento sexual nos homens brasileiros, mas também sou
muitas vezes convencidos pelos padres da renovação carismática e pastores
neopentecostais que o mundo está mesmo perdido e que a depravação está em toda
parte de uns tempos para cá.
Mas sexualidade
masculina é uma coisa que me deixa confuso. Principalmente quando sou levado a
refletir sobre ele depois de ler alguma coisa escrita ou dita sobre tal assunto.
Falar de sexo é bom e não acaba nunca e o homem sempre teve direito ao sexo
mais do que as mulheres. Creio que já se escreveu muito sobre isto. De Tebas no
Egito Antigo ao Vaticano durante as comemorações do Jubileu do ano 2000 o sexo
do homem sempre foi o leitmotiv da
religião, da arte e da política e aqui estou eu martelando outra vez o assunto
nesta crônica.
Mas como
disse o assunto em questão sempre me deixa muito confuso e é uma confusão que
me remete à minha infância. Coisa estranha essa de você aprender o principal da
teoria sobre a sexualidade quando se é um menino implume. Eu fui um menino que
como todos os outros meninos não deixa de ser nem menos, nem mais libidinoso
para sua idade. Fui aprendendo com os outros que eram mais experientes do que
eu o básico sobre o sexo e suas principais manifestações nos humanos.
Ainda
me lembro com uma clarividência insuspeita um desses momentos de descobertas
fatais para um menino. Eu tinha nove anos quando desvelou-se-me esta ideia
clara e distinta, não era o ato de beijar que trazia os bebês para o mundo, mas
uma forma bem peculiar do homem “comer” a
mulher.
E o
meu amiguinho que caminhava comigo expôs-me com um conhecimento de sexólogo
inveterado como a sua irmã Lúcia tinha engravidado do primo dela, João, dentro
do bananal. Não cheguei a acreditar logo no Joaquim, mas como o Antônio e o
Roberto que não eram menos espertos do que eu já sabiam que era assim que
acontecia mesmo, não pude deixar de acreditar que aquela fosse mesmo a verdade
dos fatos.
Como
acreditei assim ficou sendo o modo dos bebês virem ao mundo. O homem “come” a mulher que depois engravida
dele. A confirmação da teoria veio dali há dias quando fiquei mais atento ao
que diziam perto de mim quem já tinha “comido”
uma mulher. Depois não parei mais de aprender sobre essas coisas. O mundo
tornou-se para mim uma eterna novidade constante. Peço perdão aos leitores
sensíveis, as palavras cruas são do vocabulário masculino de quem cuja
sexualidade trato nesta crônica.
Como
disse, o menino que eu era não parou mais de aprender. E o que aprendi em
seguida, lição gozosa foi a arte de bater punheta. Não havia catequistas lá no
nosso povoado, padre ou beata que sustentasse o mal da masturbação para os
meninos. Palmas das mãos cabeludas, anemia, entortamento do pau, sei lá. Tive bons mestres de
putaria infantil, meninos que aprendiam com os mais velhos e ensinavam bem
ensinadinho para os outros meninos ensimesmados como eu. Havia um local onde
nos reuníamos para as práticas das nossas primícias sexuais. Era a lá no Riacho
Seco. “Oh que saudades tenho da aurora da
minha vida... da minha infância querida que os anos não trazem mais!”
Era
a pedra da sodomia.
A mata
florida de mofumbos, tão cheirosas e inebriantes flores. Arapuás cruzavam o
espaço levando nas asas o delicado pólen das acácias, na boca o dulcíssimo mel
das flores silvestres. A terra molhada vertia o cheiro de fêmea impura, as
avencas atapetavam o chão da mata e dos barrancos manava límpida a água fresca
que escorria em regato. Tão doce era o canto dos passarinhos na copa das
frondosas árvores que baloiçavam deliciosamente ao vento. Rolas arrulhavam
chamando o casto esposo, maracanãs voavam pelo espaço azul em algazarra feliz, periquitos
verdes pousavam nas ramagens roçando-se num pipilar amoroso. Os lagartos boiavam
sobre as lájeas quentes e as borboletas brancas, amarelas, azuis e pretas, cruzavam-se
numa confusão de asas e cores. Ah os frutos silvestres! Maracujás capitosos que
espargiam seus odores viciosos pelo caminho, catolés maduros com sua polpa
amarela e dulcíssima, as uvas babosas da mata, cerejas, gravatás e croatás. Ah
o som da água que escorria entre pedras! Pequeninas cascatas que saltavam de
pedra em pedra e enchiam amplos caldeirões cavados pela erosão das águas mais
antigas. “Que doce a vida não era nessa
risonha manhã!” E e pedra da sodomia como um altar de sacrifício gozoso.
Perdoem-me,
mas não pude me esquivar de pintar a infância ideal como um poeta manco o
faria.
Os
meninos em verdade não são castos. Falo da perspectiva de um menino que se
tornou pai do homem que sou hoje. Jesus confiava nos meninos do seu tempo. A
pureza dos pastorinhos que pasciam as ovelhinhas tranquilas nos prados da
Judeia o inspirou a frase clássica: “Deixai
os pequeninos e não os estorveis de vir a mim, porque dos tais é o Reino dos
céus”. E as cabras de Belém nada disseram, e se os meninos as sodomizavam nos
pastos da Palestina é incerto. Mas como tudo é duvidoso neste mundo e como é
bem certo que os meninos gregos e romanos coabitavam com os animais dos
rebanhos, leiam As bucólicas de
Virgílio não é impossível que os judeuzinhos do mesmo tempo também fornicassem
com suas cabrinhas.
Veja
que a costumada afirmação de que o mundo hoje encontra-se perdido devido a
propagação da depravação desenfreada desde a tenra idade, não passa de uma
prática ególatra de nosso tempo que quer ser singular e especial em tudo. Os meninos
depravados existiram em todos os tempos. No meu tempo fazíamos como os meninos
gregos e romanos e as cabras eram sodomizadas e as jumentas desfrutavam de um
harém de mancebos.
Cousa
maravilhosa de se ver um ror de moleques fazendo fila no barranco para transar
com a jumentinha dócil de Zé Ferreira.
No povoado
conhecia-se a pedra da sodomia e sua fama, porque seu uso era antigo. Não tínhamos
sido os primeiros meninos a fazer uso dela ou inventá-la para as práticas
impuras da nossa própria infância. Creio mesmo que havia nódoas ancestrais
gravadas no granito dela.
Era
o lugar da mata que oferecia os gozos do prazer inupto, depois podia-se comer a
goiaba branca que crescia na beira do poço, banhar-se na água límpida da chuva
e tomar sol nuzinho deitado sobre a pedra morna. Tudo isto coberto pelo
indelével manto da natureza primeva. (Mas isto é muito enfático confesso, o
velho hábito do poeta manco que acredita na infância puríssima).
Os
meninos como eu, e aos meninos que viveram antes de mim e aqueles que foram
meninos em todos os séculos dos séculos sempre desfrutaram de suas cabras,
jumentas, bananeiras e goiabas no meio da mata, tudo isto é crescer, mas quando
o menino cresce e se faz homem é que ele passa a acreditar que o ser humano já
foi melhor num tempo escatológico.
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