Peba-tatu
Não
que caçasse sempre e fizesse da caça um ofício comum e indivisível da sua vida.
Comeria todos os dias com a caça e também comeria se não tivesse caça. Mas ele
caçava tatus. Poderia caçar macacos, mas não comeria carne de macaco e não
sabia dizer se sua mulher estava preparada para cozinhar macaco. Também não
podia acreditar que seu estômago se acostumasse a carne desse bicho. Caçar
raposa não lhe interessava porque absolutamente não caçava por esporte e não
tinha nenhum interesse em ter uma cabeça de raposa ou muitas delas pregadas na
parede. Veados até caçava, mas não sistematicamente nem todo tempo, caçava-os
quando apareciam comendo sua roça na boca da mata.
Então
ele era só um caçador de tatus. Caçava-os não sempre, mas quando os caçava
fazia com método e rito. Que caçar tatus não dispensa método vá logo
compreendendo. E o rito? Ah esse era um meio de não perder a noite de caça.
Como ele entrava na mata para caçar os tatus da mata e não era possível que os
tatus viessem encontrá-lo no terreiro da casa precisava certificar-se de que
fazia tudo que se orientava fazer-se antes de entrar na mata para tomar um dos
seus frutos.
Mas
o método vinha antes. E consistia nisto – preparar os cães. Que os cães eram os
companheiros de caça. Não que caçasse sempre sozinho, embora também pudesse
fazê-lo. Mas os cães, esses precisavam haver. O cão era quem dava o alarma
primeiro de que havia tatu na mata. Primeiro um cão via o tatu, depois o outro
via também e o outro cão que vinha atrás também via e todos os cães viam o tatu
juntos e quando o tatu fugia porque ele também via os cães, agitava-se toda a
mata e o caçador alcançaria seu dia.
Isso
se ele tivesse bons cães. E era o cão que vinha com ele e entrava na mata antes
dele, o cão que ia adiante e não seguia o caminho sempre. Não seguia rastro de
dono. Trovoada, Catita e Sendero. Êh bons! Respeito mesmo. Chamava-os e eles
acudiam logo. Dava-lhe de comer. Não
é com fome que o cachorro caça, porque não caça para si, caça para o homem.
Comia no mesmo instante que os cães. Confiança e cumplicidade. O cão e o homem,
dois, mas nenhum sem o outro. Dentro da mata qualquer pau preto vira bicho.
__Vocês
meus olhos, meus ouvidos, adiante de mim.
Trovoada
olhava e parava de comer enquanto olhava o dono. Nunca que compreendesse o que.
Depois continuava comendo e ficava feliz com o alimento servido.
__Quarto
minguante, mas tem lua.
Catita
nunca que ouvisse o que eram aquelas palavras e comia tudo, voraz.
__Ecô!
Sendero
prestou atenção reconhecendo a voz do patrão. Tinha acabado de comer e açulado
correu até a beira da cerca. Foi seguido. Era o sinal. Dentro da mata seriam
juntos.
No
embornal tudo – faca de ponta, binga, tabaqueiro, canivete. Facão para a
precisão, enxadeco para a necessidade. O vento que sopra e a lua que vai
nascer. No chão da mata pisar com cautela. No escuro sempre uma jararaca
rasteja. As folhas caídas e uma caranguejeira não se distinguem.
Dentro
da mata nada exato. Quem caça só depois descobre o engano. Viram um tronco
queimado, não se mexia, era um tronco queimado, mas não sabiam o que era. Não
se mexia, mas parecia que estava esperando eles passarem, não tiveram coragem e
voltaram pra casa. No outro dia passaram no lugar e com surpresa viram que era
um toco queimado.
O
dia da caça. Parece que não vai ser, no começo, mas logo vira a roda. Os cães
se perdem no mato. Lá no grotão distante, são eles acuando. Para lá ver o que
é. Tamanduá! Cada unhada fatal. Corta feito faca. Cutia! Uma preazinha, quase
que nada. Uma raposa esquecida. Desceu da mata, mas volta sem galinha e ainda
um-mão-pelada, e tome surra nos cachorros. Se não acode, um estrago. Pior que
isso só encontro com suçuarana.
Nunca
que isso aconteça. Suçuarana não pisa nas folhas. Se pisa é macio. Ninguém nem
não escuta. Ardilosa, não tem sombra e quem ver ela? De repente os cães dão
alarma, vai-se até lá e reza pra voltar vivo. Quem volta é quem conta a
história.
O
peba-tatu esse é a caça. Vem cheirando a terra. Cata formiga, ovo de
passarinho, cururu e até rato nas folhas. Na lua nova nem aparece. Sem lua no
céu nem se prepare. Na lua cheia bem provável. Hoje quarto minguante com muita
sorte. O rabo-mole aparecer é certo. Noite pra ele é dia. Vem comer terra. Come
também formiga. É quando a caça não se perde.
Nunca
que tivesse visto, mas muito tempo atrás tinha tatu do tamanho de um boi. Uma coisa
que tinha ouvido dizer. Nunca que acreditasse de verdade, mas não queria dizer
que isso não acontecesse no começo do mundo. Ele sabia que no começo do mundo
as coisas não tinham sido como ele conhecia que eram hoje. A mãe que ele tinha
era quem contava como havia sido as coisas no começo do mundo.
E a
mãe era uma velha muito velha e não podia ficar inventando coisas que ela não
tinha visto. Mas o que a mãe contava ela também tinha ouvido que era o pai lá
dela quem contava que já tinha escutado também de outra pessoa que já tinha
muita idade e ninguém podia ficar sempre inventando uma coisa que não podia ser
completamente verdadeira para contar.
No
começo do mundo quem não sabia que as coisas tinham sido diferentes mesmo?
Até
esse precipício de morrer não existia. A mãe quem contava também. Como ela
contava também que foi um tatu desses grandes que furou um buraco no céu e as
pessoas desceram por ele pra terra, ela contava que foi São Pedro quem quis que
as pessoas ficassem morrendo. Era assim que a mãe queria explicar. Que Jesus
caminhava com São Pedro que sempre errava o que fazia e nunca que aprendia toda
a lição que Jesus lhe ensinava. Pois foi um dia que Jesus e São Pedro chegaram
num açude e Jesus mostrou pra São Pedro uma pedra e uma laranja seca e pediu
pra São Pedro escolher qual ele queria que Jesus jogasse na água, mas Jesus
explicou pra São Pedro que ele escolhesse bem, pois se ele escolhesse a que afundasse
na água as pessoas teriam que morrer e não voltar nunca e se ele escolhesse a
que boiasse as pessoas até que morreriam, mas voltariam sem dúvida. E São Pedro
o que ele fez? Escolheu a pedra que Jesus jogou e afundou no açude. Assim as
pessoas ficaram morrendo para sempre. Quando São Pedro se arrependeu não podia
mais, foi quando sua sogra morreu e não voltou.
Era
uma coisa que ela contava do começo do mundo, e nunca que ele não acreditasse
nela, mãe nunca conta coisa que não seja correta porque tinha a experiência de ter
andado pelo mundo aprendendo.
Então
tudo estava junto no mesmo mundo. E ele que não seria o primeiro a pensar que
não fosse assim que as coisas acontecessem. Dentro da mata tudo impreciso. Vem
uma nuvem e cobre a lua e aí a noite se torna só trevas muito escuras. Vem um
vento que não ventava antes e apaga o facho e o fogo esfria e não acende mais.
A mãe-da-lua chama e a gente não atende e vem a chuva e a lama e nunca mais chega
em casa. Se tinha o mundo ele estava
dentro dele e só sabia o que tinha aprendido com quem lhe ensinara.
Tomou
então do fumo, picou-o e macerou-o na palma das mãos. Fez um cigarro para si,
tomou o resto e desceu para o lado da cerca. Fez um chumaço e o dispôs na
cabeça da estaca mais baixa. Voltou para o terreiro da casa, foi ai que ouviu.
Estrídulo assobio percorrendo a noite estável. Compreendeu o que era.
Caboclinha. Os cães também ouviram. O cheiro da mata queimando em suas narinas.
Caboclinha.
__Ela
abriu o mato. Acolheu meu fumo, te obedeço.