O circo
___ Pensei que você queria ir comigo – Leléu falou.
___ Mas eu quero – disse Zico – mas o Neco sabe.
___ Sabe nada – disse Leléu se pondo a urinar na parede.
___ É. Mas ele quer adivinhar tudo – Zico disse.
___ Deixa ele, seu bobo! Tá com inveja da nossa amizade com Pimpo – Leléu disse.
___ Você que é muito medroso sabe – Leléu perguntou.
___ Não quero ficar de vigia, se o Ruivo descobre – disse Zico.
___ Então você não merece amizade – disse Leléu.
___ Você quem falou que eu ia conseguir assistir o espetáculo – Zico disse olhando o amigo mirando a urina num buraco do reboco. Leléu acabou de mijar, guardou a bengala lá dele e voltou-se pra dizer a Zico:
___ Mas você vai Zico – disse – Pimpo falou. – Quando Seu Zenão voltar ele vai trazer umas atrações novas, até cavalinhos pônei virão também, pois as atrações que eles têm agora todo mundo já assistiu.
___ Quando Seu Zenão viaja – perguntou Zico.
___ Pimpo disse que Seu Zenão só não viajou ainda porque está esperando chegar uma peça da caminhonete.
___ Pois tá bom. Mas deixa isso pra lá, por que pra mim já perdeu a graça – falou Zico – vamos brincar de outra coisa?
___ Agora eu vou pra casa, marquei o negócio com o Pimpo você sabe.
___ Você se chateou comigo – perguntou Zico.
___ Não. Mas já tô grande pra ficar brincando com criancinhas – disse Leléu.
___ Eu criancinha – perguntou Zico.
___ E não é?
___ Pois fique sabendo que já tenho penugem, te mostro.
___ Por isso não – Leléu falou – pra quê?
___ Você duvida que eu seja homem – perguntou Zico.
___ É. Parece que você tem uma cobra aí rapaz – Leléu disse.
___ Olha Leléu, só para te mostrar que eu não tenho medo eu vou fazer o negócio com você.
___ Agora não preciso mais, eu vou sozinho.
___ Vai nada. Se não precisava de mim por que me chamou?
___ Ora, Zico! Você quem fica querendo entrar lá no circo. Eu te chamei?
___ Mas o circo nem tem mais espetáculo Leléu.
___ Mas vai ter. Seu Zenão já prometeu pro Pimpo. Já vi também Gedeão dizendo a mesma coisa.
___ O anãozinho... – começou Zico.
___ Ah! Você quer ver o anão – perguntou Leléu.
___ Já vi na rua, uma vez – disse Zico.
___ Mas de longe – perguntou Leléu – Nunca falou com ele?
___ O que eu queria mesmo era ver o camelo – disse Zico.
___ Pois já montei na corcova do camelo.
___ Se eu fosse com você o Abel deixava eu montar também né?
___ Se deixava Ziquinho!
___ Pois conta comigo mano.
___ Mas agora eu não preciso mais de você – Leléu falou dando as costas para ele e pondo-se a arrancar os tijolos da parede já metade caída.
___ Eu te dou o que você pedir Leléu – disse Zico.
___ Talvez você não tenha nada que me interesse. Talvez – falou Leléu arrancado um tijolo grosso e limpando a terra dele com a palma da mão direita.
Leléu ficara com o tijolo equilibrando-se na mão. Zico olhava o amigo sopesando o tijolo e já estava quase sufocando com aquela atitude dele. Levantou-se e caminhou pelo corredor da casa.
Chamou Leléu através do buraco na parede caída.
___ Que é Zico – perguntou Leléu atirando o tijolo por cima da parede meio caída sobre as galinhas que estavam pastando no quintal.
___ Você sabe quem morava nesta casa?
___ Pois era Dona Izilda. Esticou as canelas – disse Leléu.
___ Você nem respeita Leléu.
___ O filho dela era o Camilinho, uma vez ele fugiu com o circo. Foi apanhado antes de chegar à rodovia. Depois mandaram ele pra estudar fora daqui – Leléu disse e inclinou-se para apanhar um pedaço de tijolo pra continuar bombardeando as galinhas.
___ Pois e se ela ainda estiver aqui ouvindo a gente – perguntou Zico.
___ Não tem como seu trouxa, a velha nem morreu aqui. Morreu lá no hospital e foi logo enterrada. Não deixaram ela voltar pra cá, nem morta no caixão. A casa caiu porque Seu Aluís não ligou mais e depois ele também foi embora. Diz que Camilinho ficou na marinha e mandou buscar o velho pra morar com ele.
___ Eu se fugisse com o circo ninguém me pegava. Eu não voltava nunca pra casa.
___ E se ela ainda estiver aqui já viu foi a gente tocando muita bronha aqui dentro – concluiu Leléu saltando para o corredor através do buraco na parede caída.
___ Ainda estou dentro do esquema – perguntou Zico.
___ Não. Você conta tudo pro Neco – contrariou Leléu.
___ Conto nada. Nunca que Neco soube de nada pela minha boca.
___ Perdeu sua chance. Agora prefiro trabalhar sozinho – Leléu disse isso caminhando para a porta da frente. Parou no batente. Zico seguiu-o ansioso.
___ Preciso ir com você Leléu. Pimpo também vai ficar me devendo uma né?
___ Você já viu Pimpo no picadeiro – Leléu perguntou voltando a entrar na casa e sentando-se numa velha cadeira quebrada apoiada na parede carcomida da sala.
___ Nunca vi Leléu no circo. Ele era engraçado?
___ Se era! O melhor artista de circo.
___ O melhor não é o trapezista?
___ Aquele bebum?
___ Neco diz que Pimpo foi o culpado.
___ De quê – se indignou Leléu.
___ Do aconteceu com a mulher do Miller.
___ Ela quem quis dar pra ele. Então palhaço não é homem? Comeu ela todinha. Depois a bruaca queria se fazer pra cima dele aí o Pimpo dispensou.
___ Sei não Leléu, será que Pimpo. Neco disse que Pimpo tá comendo todas as mulheres daqui.
___ Minha mãe ele nunca comeu. Já meteu na sua – Leléu perguntou e ficou olhando fixamente pra ele todo cínico e rindo.
___ Você sempre com essa brincadeira Leléu. Não me respeita.
___ Pois você é bobo Zico. São elas que querem dar pro Pimpo ele enfia lá nelas porque elas deixam. Já teve alguma que não quis e chamou a polícia?
___ Neco sabe também das coisas Leléu – disse Zico – Ele falou que o circo não vai mais embora daqui porque tá falido. Se acabou o Grande Circo Continental.
___ Inveja. Inveja do Neco.
___ Que o circo já era. Tá armado porque quem ainda não foi embora não tem onde ficar aí eles estão morando embaixo da lona dentro do circo.
___ Ih! O Neco sabe nada. Garanto que quando Seu Zenão viajar ele vai voltar com uma trupe nova e o circo voltará a dar espetáculo com novas atrações.
___ Neco disse que esse palhaço do Pimpo ainda se estrepa por aqui.
___ Baboseira – gritou Leléu – um bando de corneados que ficaram despeitados com o Pimpo. O que eles não conseguem dar pras mulherzinhas deles outro vem e ferro nelas.
___ Mas Seu Miller vive... – não terminou, pois Leléu se pôs de pé diante dele no meio da sala.
___ Olha aqui do que elas gostam lá na bucetinha delas. Pau e vara bem grossos – disse Leléu tirando o troço dele pra fora do calção e lhe mostrando ele duro.
Zico desviou a vista. Leléu guardou suas coisas e apanhou um pedaço de carvão no chão. Pôs-se a riscar uns desenhos na parede. Era mesmo um monte de caralhinhos com asas.
___ Vamos agora Leléu – perguntou Zico.
___ Comigo você não vai – disse Leléu.
___ Te dou a minha gaiola de bambu – disse Zico
___ Você me dar o corrupião e a gaiola – perguntou Leléu.
___ Assim não posso. Você quer o coleiro e o bodoque?
___ O coleiro, o bodoque e os selos – falou Zico.
___ E você diz pro Pimpo que eu te ajudei nessa – perguntou Zico.
___ Digo sim – confirmou Leléu.
Leléu jogou o toco de carvão no canto da sala enquanto contemplava seu último desenho. Um grande caralho peludo e vertical crescendo para o teto. Zico observava-o.
___ É seu – perguntou Zico.
___ Essa jeba é a de Pimpo – respondeu Leléu – Agora vamos?
___ Como você quer que eu faça – perguntou Zico.
___ Procura saber se o Ruivo está na farmácia. Vem depressa e me diz: – Eu vi o homem na farmácia, ele está pegado no bacará e nem se lembra da mulherzinha dele sozinha em casa.
___ E depois – perguntou Zico.
___ Depois Pimpo entra na casa pelo quintal e faz lá o servicinho dele.
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