sexta-feira, 21 de agosto de 2020

CRÔNICA - AS GRANDES BANHISTAS

 

As grandes banhistas

         __ Mas não conhecem o lugar onde queremos que eles cheguem.

         __ Parecem porcos procurando pérola.

         __ Língua de sapo catando brasa.

         __ Não encontram o grelo que está lá.

         __ Se retiram num instante.

         __ Eu nunca.

         __ Seu marido...

         __ Nenhuma vez. Nunca, nem esforço.

         __ Como ele faz?

         __ Meu marido despeja e sai.

         Lídia cruzou as pernas, friccionou o mamilo esquerdo com a mão, sentiu transudar-lhe a calidez. Ouvia o que diziam, mas podia dizer que era com ela que acontecia a mesma coisa. No entanto quem perto delas para julgá-las? Nessa hora o sol era sem força. Baixou os olhos e era a terra. Prestou atenção a terra, dali cresciam frutos, a semente crescia oculta sob o segredo do barro. Apoiou-se no chão com as mãos espalmadas na terra. Era sólida e constrangi-lhe a fertilidade.  Mas o seu sexo era túmido e quente, pensou no seu nome e viu que não combinava com um nome de mulher. Cecília era o nome com que a chamavam quando não vinha logo para o almoço. Se pensasse muito nisto concluiria que vinha se atrasando e só ganhara ao longo do tempo aqueles indícios – seiozinho convexo, penugem crespa, uma semana de revolução. Inclinou-se para frente e roçou a ponta dos dedos na água. Viu que Lídia estremecia ao toque. Sorriu para Lídia, mas Lídia estava alheia, um punhado de terra molhada nas mãos. Se Lídia comesse desse barro ela bebia dessa água, Cecília quem pensou. Mas ouviu que eram as outras que ainda continuavam falando.

         __ Apenas viesse com seu toque, sua mão de homem com veias escuras e palmas ansiosas.

         __ Como faz isso – Ana perguntou.

         __ Tomo-o e guio ele – Lili falou.

         __ Ele chega?

         __ Quero que chegue, quando sinto-o vou com ele, não deixo que descanse senão se acaba tudo – Lili disse.

         __ Pois eu queria assim – Ana falou.

         __ Você não pega – Lili perguntou.

         __ Acho roliço.

         Riu-se Lili e riu-se também Joana. Essas que sabiam mais do que ela. Mas que pensassem mesmo que ela era uma boba. Podia explorar sozinha. Cada seio um fruto de largos gomos. Nutria-se também a si mesma do próprio amor. Sob sua cúpula abrigava um paraíso de anéis e formigas louras. Ana respirou o ar glabro e sentiu-o cortá-la por dentro. Era um pouco de cada coisa, ela que podia olhar a água e ser como a água, escorrer e ficar parada, ela que podia ser mesmo como à tarde, declinar com o sol e acabar com a noite. Então Lídia viu a vaca parada. Era uma vaca branca e estava olhando para elas. Os chifres recurvos espetados no tempo. Que revelação lhes traria aquela vaca? De onde se desencantara? Pois era uma vaca que tinha sede e descera da mata para beber no rio. Vieram os pássaros pretos e pousaram na rama do capim que se abaixavam para a água. Lídia ficou feliz, porque ela sabia compreender cada coisa que se erguia viva do chão. Com a palma da mão colheu o sexo. Era uma camada dela que sempre revolvia para encontrar dentro dos sulcos a rútila linfa. Perto era Joana que tinha encontrado uma vespa nos cabelos. Deixe ela crescer e capturar aranhas que terá o mel mais fino, os favos mais ruivos. Quando Ana entrou na água os pequenos peixes vieram tirar-lhe a pele morta das coxas. Muitos dedos onde era mais fraca. Aspergiu com as mãos a água tépida que vinha de dentro da terra, que limava as pedras, na sua pele escura e foi dilatando-se até abrir-se como uma flor quente e tesa. Podia pensar que Pedro era o que lhe Deus lhe reservara, mas podia pensar também que mesmo com Pedro não era limitada nem diluída o suficiente para que nunca se queimasse na sua própria chama. Assim que ela tinha a coragem de Lili para tomar verga, mas era muito sábia para encontrar o gozo num meio dia enquanto os volumes de roupa limpa esperavam seu trabalho de serva. E o êxtase com o mamilo duro na tesoura dos dedos da mão.

 

         __ Olho neles e acho-o bonito – Lídia disse.

         __ É o que eles têm – Joana disse.

         __ Um trono, um cepo, uma coroa, um reino – Lídia falou.

         __ Mas não para o uso – disse Joana.

         __ Se fosse comigo eu exploraria as vantagens – disse Lili.

         Joana e Lídia não disseram nada.

         __ Mas as mulheres têm o seu labirinto – disse Lili. – Não é um machado é labirinto.

         __ É – aprovou Lídia.

         __ Viesse um desses e me derrubasse – falou Joana.

         __ De quanto você precisa – Perguntou Lídia.

         __ De quanto me baste para me sufocar em agonia – Joana disse.

         Lília se calou e não disse nada.

         __ Ser fodida até pensar isto – sou infinita – Joana disse.

         Lídia concordou olhando para ela.

         Lili falou:

         __ Faça você mesmo. Só a vaca espera pelo touro, mas é irracional. Nós temos o que Deus nos deu.

         Joana não disse nada.

         __ Ser homem é um dever, eles não acreditam na mulher – disse Lili.

         Joana continuou calada. Lili continuou:

         __ É que eu já descobri que eles pensam assim – sem dúvida uma mulher é uma peça de louça, vai-se com calma e não a quebro-se, vou com fúria e a arrebento. De qualquer modo bebo o ar espesso, gozo e num instante aparecem às lesmas líquidas.

         Quando viram, Aninha chapinhava na água. Uiara do fundo do rio. E era Cecília quem colhia flores. Um maço de lírios e algodão-do-brejo. Flores inodoras. Veio com elas e deixou-as na margem. Lili desceu pro rio. Ouviram o vento que passava nas folhas das bananeiras. Joana estirou-se na margem. O vento ventava nos galhos da jaqueira. Veio Ana e tomou um molho dos cabelos de Lili. Cecília pôs-se de pé para olhar o vento ventando. Uma virgem púbere no terror das suas glândulas. Sentiu o cheiro de cada coisa que vinha no vento. O fim da tarde, as folhas maduras, a terra quente, o mijo das vacas, a roupa lavada, a água fria nas pedras do riacho. Perturbou-se com o caos das sensações e pareceu-lhe que asfixiava-se com os golpes de ar e vento. Lídia transfigurada e ela entendeu tudo. Parou de pensar e começou a quebrar seixos com a planta do pé. Lídia perdida e era nos amores solitários, amor que se prolifera nas mãos, que cresce na lama e estende suas raízes para fora da terra. Os nós dos dedos revolvendo a rosa e Joana era um peixe liso dormindo na margem do rio. Cecília tomou ar e voltou a si com o ar puro. Entraria na água e o líquido caldearia o que ela era. Abaixou-se para pegar um seixo, mas sentiu o cheiro que vinha dela. Meu Deus, mas será que é mesmo isto? Os pelos eriçados do sexo. Sentou-se e o rosto crispado de Lídia era uma revelação de sensações gozosas. Que ela também pudesse aprender com quem sabia mais do que ela. Sentou-se ao lado da mulher que pescava pérolas. Ouviu os ofegos de Lídia e Lídia explorava-se com ardor de lavrador. Cecília distendeu as pernas e friccionou as coxas sentindo o primeiro calor do mel que ardia-lhe sob a pele. Afastou as coxas e aspirou o ar que se acumulara entre ela e Lídia. Cheiro de erva molhada. Os movimentos de Lídia cresceram e ela pegou-lhe nos anéis dos cabelos. Lídia estremeceu e ela tocou-lhe a pele das costas, Lídia tornou-se porosa e oca levitando um pouco acima do chão. Tinha encontrado a substância da flor, a matéria sem forma da pérola engastada no seu ser. Estremeceu retesando o corpo num longo arco cíclico, quando voltou a ser humana e total estava com as pupilas dilatadas e a língua espessa. Cecília tomou-lhe o seio como um fruto, era um seio de mãe e nutriz. Era uma mulher que vinha de uma viagem e de um encontro. Lídia acabou e beijou-a. Cecília meteu-lhe a língua na boca odorosa. Ergueram-se e Cecília era uma virgem louquinha. Desceram para o rio, pisaram no lodo das pedras, sentiram a lama viscosa nos pés e esperaram que o vento viesse desfazer as tranças do cabelo da virgem. Ouviram o longuíssimo uivo da vaca entre as bananeiras. Foi um arrepio de frio e quando Lídia mergulhou na água Cecília esperou para ouvir o canto que a atrairia também ao fundo. Joana ouviu-as dentro da água quando abriu os olhos e o céu era pálido e cinza. Olhou as nuvens que se acumulavam em grossas bodas escuras e assim não quis ser surpreendida pela primeira estrela que aparecesse de noite. Sentou-se na margem do rio. As outras lá em baixo. Gritou-lhes:

         __ Vamos machonas que já é tarde.

 

 

 

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