domingo, 15 de dezembro de 2019

CRÔNICA - SELMA




Selma



 ─ HOJE NÃO DÁ, não quero mais caçar. Perdeu o sentido, não estou com vontade mesmo de fazer isso.
─ E você está com vontade de quê?
­─ Não sei. Menos pegar lagartixa, isso eu sei que não quero.
─ Então vamos fazer outra coisa.
─ Também não.
─ Eu ia propor pescar.
─ Viu? Também não quero isso.
         Os dois ficaram calados olhando as galinhas que corriam atrás das outras galinhas e era como se de repente eles tivessem brincado e acabado. O sol ardia na pele escura de Carlos e ele afastou as pernas para a sombra da platibanda. André permanecia imóvel olhando as últimas galinhas que passavam atrás das outras. Não aguentaria aquela coisa toda, mas antes de explodir André falou:
─ Vamos lá pra Selma hoje não tem ninguém em casa.
─ ...
─ Bobo você é.
─ ...
─ Vamos logo depois agente pesca.
─ O sol vai ficar quente.
─ Melhor assim, os peixes vêm do fundo beber água na margem.
─ Nunca ouvi dizer isso.
─ Eu estou dizendo.
         Carlos achou que André mentia, mas não tinha outro pensamento onde se amparar e ficou calado e como ele tinha ficado calado André compreendeu que tinha vencido e os dois se levantaram, limparam os joelhos e desceram o morro.
         A casa de Selma ficava em baixo, antes do rio e eles poderiam aproveitar e levar as varas de pescar com eles, mas nem se lembraram disso e desceram sem pensar mais nos peixes que pescariam.
         Desceram e atravessaram a estrada completamente parada sob o sol. Onde os bois que passavam? Há esta hora todos no pasto, outra vez só quando chegasse a hora de beber. Boi só conduzido por gente, e é por isso que segue o curso.
         Na frente da casa pararam. A porta fechada. Bater não era preciso. Dar a volta. Fizeram isso. Carlos viu uma lagartixa bem grande correr na parede. Subiu até a cumeeira. Não ter trazido o laço.
         André abriu a portinhola. Estavam no quintal. Porta da cozinha aberta. Só a parte de cima. Tinha gente na casa. Lá em baixo o riacho cheio de peixes e a água mansa parada, parada no meio da manhã.
         Selma lá dentro. Veio ver quem era. Mas como não sabia que eram eles? Empurraram a porta.
         Dentro da casa o fogo quase apagado. Selma não estava sozinha. Quer dizer não completamente sozinha. Sabiam disso. Carlos ficou atrás, mas seguiu André até a sala. Era a irmãzinha dela que estava com ela na casa. Os dois sabiam tudo isso. Veio então à decisão.
─ Quer fazer aquela coisa? Ninguém aqui, só minha irmãzinha.
         Os dois confirmaram o que queriam apesar daquela verdadeira empata.
         Sacrificar um pelo outro. Carlos aceitou a condição. Pelo amigo daria um braço. Haveria retribuição? André empenhado. Não fosse Carlos cobrar antes que ele pudesse. Os dois combinados. Depois seria a vez de Carlos e André se imporia a mesma condição.
         Ficou com a irmãzinha na sala. Os dois no quarto sobre a cama com lençol de retalhos. André seguiu-a.
         Na outra cama, a dos pais. Depois ela arrumava tudo. Cuidado a irmãzinha não vir lá da sala. Os quartos sem porta. Perigo não há. Brincando nem vai saber de nada.

         André ficou nu. O quarto na penumbra. Ele no meio do escuro. Selma pôs tolha na beirada da cama. Que a mãe não soubesse de nada. Dona Neném não volta. Que o pai nem pensar. Só meio dia em casa, ainda longe disso. Até lá tudo acabado.
─ Vamos logo. Tire a cueca.
─ Não vim de cueca.
─...
─ Não achei nenhuma.
─ !
─ Você quer que eu vá até aí?
─ Em pé não dar, mais alta que você.
─ Onze anos, eu homem.
─ Melhor começar. O almoço ainda.
─ Só quis informar.
─ Não me importo.
         André sentou na borda da cama. A palha do colchão chiando sob seu peso. O passo seguinte ele não sabia. Então ela pôs o seio pra fora da blusa aí ele adivinhou o resto.
         Sugou-o. Primeiro como um menino, só depois com avidez. Aprendeu de repente. Quando repetiu a ação já sabia o que fazer com os dois seios. Sem mordê-los. Só com a língua. Finíssima ponta da língua de uma salamandra.
         Não cheiraria mais a menino. Teria sangue de homem. O leite não verteu e ele compreendeu que aqueles peitos eram diferentes dos outros peitos onde pusera a boca e as mãos um dia.
         Prendeu-se neles, mas ela o fez parar. Aquietou-se indeciso. Teria acabado tudo? Preparou-se. A roupa no canto quarto onde ele tinha se despido.
         Mas não tinha convicção de que já havia terminado. Parecia-lhe que havia um resto de coisa. Como Selma lançou o corpo para trás obrigou-o a subir na cama para ampará-la. Não, não era necessário. Ela susteve o corpo com as próprias mãos apoiadas no colchão. Olhava para o teto onde as telhas coavam a luz do sol que iluminava toda a manhã. O menino parado indeciso. Tomou-o pela mão, conduziu-o. Baixou-lhe os dedos até o sexo. Estremeceu quando ele a tocou. André entendeu tudo e prosseguiu sozinho.
         Abraçaram-se sobre a colcha de retalhos costurada pelas mãos da mãe. Ela dispôs-se a ele. André ainda não sabia servir-se de uma mulher, mas ela reconhecia-lhe o esforço e onde ele não alcançava chegar ela o ajudava solícita.
         Também era importante não ficar imóvel quando as mãos poderiam fazer algum trabalho e colaborar na obtenção da felicidade. Reconhecia o esforço de André e como ele era um menino não poderia deixá-lo sozinho.
         Os meninos vinham e ela não os recusava. Eles suplicavam dela o amor. E ela gostava dessas súplicas nadando no fundo dos olhos dos meninos. Não se impedia de servi-los.
         Detestava o amor dos homens. O cheiro dos homens queimava-a por dentro e o amor deles a esvaziava. Queria que os meninos sempre a tivessem amado. Mas quando o tio veio os meninos ainda não sabiam amar e não teve nenhuma chance contra o bruto. Agora só com os meninos.
         O tio morto para sempre. Deus criou o cavalo e o cavalo pisou em cima do tio. Nenhum remorso porque Deus a protegera como ela tinha pedido a Ele.
         Mas André tinha acabado? Pobrezinho, apenas resvalando nas coxas. Ajudou-o ainda dessa vez. Tinham que acabar logo. O outro lá fora. A irmãzinha se lembraria dela e a procuraria pela casa.
─ Acabe.
─ Acho que já acabei.
─ ...
─ Acha que fizemos bebês? Ele quis saber por que sentia que uma corrente de água fria e morna havia percorrido sua espinha e ossos.
─ Acho que não. Posso saber se você acabou?
─ Pode.
         Ela olhou-o de pé no meio do quarto através dos dedos que tapavam seus olhos. Era um menino escuro que brilhava no meio da luz que entrava frouxamente pelas frestas do telhado. Acompanhou-o enquanto ele se vestia.
         Então viu-o sair com a camisa nas mãos. Aí estirou-se languidamente na cama, abriu as pernas para receber um pouco daquela luz enquanto esperava Carlos.


Carlos Souza

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