quarta-feira, 25 de novembro de 2020

POESIA - SUMIDOURO

 

1

Rio-me sozinho, aflito,

Contento-me com tão pouco

Que logo virá o vento implume

E me desfolhará nos mapas.

 

Não trago nas mãos,

Nem impresso na pele

nenhum curso possível,

Nenhuma rota navegável.

 

Mesmo que eu siga assim:

Boca imóvel, gesto apagado,

Silêncio audível, peito inerte,

Não encontro rastros, sinais

de lume nas águas paradas.

 

2

Quando nem o labirinto está visível,

Quando nem as flores que cultivamos

secam fechadas nos livros,

É que somos sombras, raízes pútridas.

 

Quando voar deixou de ser nossa inocência,

Quando sucumbimos inscritos no sono,

É que quebramos espelhos planos,

Partimos as asas nas voltas do caminho.

 

Assim pouco restou deste monumento votivo,

Eu, arquitetura simplíssima, desmonte,

Restos de colunas e mastabas antigas,

Minha estátua, prenhez de limo e lodo,

Gretam-se os olhos e as memórias esquálidas.


 

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